-Amen.
O sol poente tingia o céu de tons dourados e alaranjados, lançando sombras longas sobre os túmulos. A brisa fria da tarde carregava o aroma áspero da terra revolvida e o incenso que ainda pairava no ar desde a cerimônia. O padre, um homem obeso e calvo, soltou um suspiro cansado, esfregando as mãos suadas contra as vestes, e recuou, deixando os dois forasteiros a sós com a sepultura.
Bill, um homem esguio de feições endurecidas pelo tempo, joelhos estalando ao se acocorar, colocou um velho diário sobre o caixão. O couro da capa estava gasto, as páginas amareladas guardando segredos e memórias do falecido. Na lápide ainda fresca, talhadas com esmero, brilhavam as palavras:
Benjamin Dalton. Amado pai, marido e amigo.
O olhar marejado de Bill percorreu a terra fofa, então se desviou para as sepulturas vizinhas. Os nomes da esposa e da filha de Dalton jaziam ali, cravados em pedra fria. Um sorriso triste se formou em seus lábios.
— Agora sim, amigo. Descanse em paz. Você finalmente está com elas.
A mão robusta de Danny pousou sobre seu ombro, um gesto silencioso de conforto. O gigante gentil, de braços espessos como troncos e um semblante tímido, não disse nada. Apenas permaneceu ao lado do amigo, olhando para o horizonte, onde o sol se despedia em uma explosão de cores. O silêncio era reverente, solene.
Minutos se passaram. O firmamento alaranjado incandescente começava a dar lugar ao violeta da noite.
— É hora de partir, Danny.
Danny inspirou fundo, fitando o amigo com olhos de quem sabia que aquele momento marcaria o fim de uma era.
— Já decidiu pra onde vai? — sua voz ressoou grave e serena.
Bill endireitou a postura e suspirou, ajeitando o colete.
— Não sei… pensei no Canadá.
Danny arqueou as sobrancelhas, surpreso.
— Tão longe assim? Achei que voltaria pra Califórnia.
O homem magro sorriu, um sorriso exausto, carregado pelo peso dos anos.
— Não foi só o Dalton que morreu naquela batalha, Danny. Parte de mim se foi também…
Ele ergueu a cabeça, olhando para o céu tingido de escarlate. O vento soprou seu chapéu coco levemente para trás.
— Minha parte que se chamava Tom morreu na caverna… e a que se chamava Bill, em Deadwood. Eu não sei mais quem sou, filho.
O gigante permaneceu em silêncio. Apenas ouviu. Apenas compreendeu.
— Acho que é hora de encerrar esse ciclo e recomeçar. Longe daqui.
Danny assentiu, o olhar perdido no horizonte.
— Vamos te ver de novo algum dia?
O sorriso de Bill era melancólico.
— Provavelmente não, filho. Provavelmente não.
Ele abriu os braços, e Danny, sem hesitar, o envolveu em um abraço forte e sincero. O pequeno homem desapareceu sob os braços do colosso.
— Tenho orgulho do homem que você está se tornando, Danny Fists. O que você fez por Dalton… o que fez por todos nós. Seu coração é maior do que você. Tenha uma vida longa e boa, garoto. Foi uma honra lutar ao seu lado.
Danny apertou mais forte, lutando contra as lágrimas. Mas elas vieram mesmo assim.
Bill ajeitou o chapéu, limpou o colete e puxou o velho relógio de bolso. O tique-taque ressoou entre eles.
— Hora de partir. Adeus, Danny. Adeus, Ben.
O gigante enxugou as lágrimas com as costas da mão.
— Adeus, Bill… ou Tom… ou qualquer nome que você escolha. Você não será esquecido.
Bill caminhou morro abaixo. Mas antes que sumisse de vista, a voz de Danny o chamou uma última vez.
— Bill! E o Manitou? Ainda está aí?
Bill parou. Olhou para as mãos. Abriu e fechou os dedos.
— Não, filho. Nem sinal dele. Nem dos poderes. Acho que… acho que ele se satisfez com o que ofereci naquela batalha. Foi meu All In. Como eu disse… parte de mim morreu ali. Acho que o Lazarento se foi junto.
Deu um último aceno e retomou a caminhada.
Porém, alguns passos depois, uma voz profunda e abissal ressoou em sua mente:
— Sabe muito bem que não vou a lugar algum, mascate.
Bill fechou os olhos por um instante, então sorriu de lado. Não se virou. Apenas murmurou ao vento:
— Danny não precisa saber disso. Ele será mais feliz acreditando que estou livre de você. Esse é um fardo que só eu preciso carregar.
— Quão altruísta. Mas subestima a sabedoria de seu companheiro. Ele sabe que mente. E sofre por isso.
Bill não respondeu. Apenas seguiu.
A noite caía lentamente, e o céu se salpicava de estrelas. A lua crescente lançava uma luz pálida sobre a paisagem árida ao redor. O vento soprava, arrastando folhas secas e poeira pelo caminho. O cheiro da terra úmida e do feno cortava o ar, misturando-se ao odor de ferrugem e pólvora impregnado nas roupas de Bill. As botas pisavam firmes no solo duro, ecoando em meio à vastidão do deserto. O cavalo esperava mais adiante, sua respiração visível na brisa fria da noite.
Bill subiu na sela com um suspiro, os músculos doloridos protestando. Olhou uma última vez para Danny, que ainda trabalhava na cova, assoviando uma melodia triste que se espalhava pelo terreno como um sussurro de despedida.
No horizonte, Bill imaginou seus antigos companheiros. O padre Hector, um farol de esperança em sua nova igreja. Catori, honrada, vivendo entre os seus. Scorpio, talvez finalmente livre de sua dor. Danny, quem sabe um dia casado, criando filhos num rancho.
E Dalton… Dalton enfim reencontrando sua esposa e filha. Naquele instante, jurou vê-los no topo da colina. Mas não olhou de novo para confirmar. Preferiu acreditar.
O cavalo bufou, inquieto. Bill ajeitou as rédeas e partiu rumo ao norte, sua silhueta se dissolvendo na vastidão da pradaria.
Nunca mais se ouviu falar de Tom Eckhart ou Bill Torch. Qualquer que tenha sido seu novo nome, aquele homem viveu seus últimos dias em paz.
